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Isto não é um filme · concerto para orquestra e electrónica
Dizemos que vamos ver um filme. E falamos dos espectadores de uma sessão. Mas quem vê um filme também o ouve. O espectador é sempre um audioespectador. Esta peça é sobre isso: sobre os sons do cinema. Está povoada por citações, referências e alusões a músicas, sonoplastias e diálogos de diferentes filmes e séries. Algumas são mais directas, outras muito veladas. E claro, como os sons do cinema se ligam indissociavelmente a imagens, também o lado visual dos filmes poderá aparecer.
(Na verdade, esta é apenas a minha perspectiva sobre a peça. Visto que a música é sempre um encontro entre um estímulo sonoro e o corpo e a mente de um ouvinte culturalmente situado — e não algo que existe em absoluto só por si — aquilo que a música é para mim não é necessariamente o mesmo que para outra pessoa. E ainda bem. Não se dê por isso demasiado importância ao que disse acima.)
O que parece mesmo um filme é a nossa vida desde Março. Ninguém poderia ter imaginado, antes disso, que este concerto de celebração do vigésimo aniversário da
Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música decorresse em tão apertadas circunstâncias —sem intervalo, com apenas metade da sala preenchida, todos de máscara, e sem a
Sagração da Primavera e o
Bolero, as obras originalmente programadas. Mas durante algum tempo era a própria possibilidade do concerto que parecia em risco. Como estaríamos em Outubro? Felizmente foi possível este compromisso, que, da minha parte, exigiu adaptar a peça, originalmente composta para uma orquestra de 80 músicos, para uma orquestra muito mais pequena,
com cerca de 40. A peça tem por isso duas versões, sendo que agora até acho que gosto mais da reduzida. Já a parte de electrónica foi mais fácil, claro, visto que não tem requisitos de distanciamento social.
(Parte da peça foi composta durante o estado de emergência, incluindo, curiosamente, algumas das partes mais leves e divertidas — mostrando que não há necessariamente relação directa entre o carácter da música e aquilo que se sente em dado momento. E parte dela foi trabalhada com os músicos por Skype e Zoom.)
Não sei bem até que ponto a peça é um concerto no sentido convencional do termo, conforme prometido pelo título. É certo que há muitos solos, muitas passagens virtuosísticas para diferentes grupos da orquestra, e muitas formas de diálogo (a que poderíamos chamar concertante) entre orquestra e electrónica. Contudo, a partir de certa altura no processo de composição as ideias musicais ganharam autonomia face ao contexto de género a que me havia inicialmente proposto.
(Espero que o ouvinte não chegue ao ponto de dizer que “isto não é um concerto”! Se chegar, de resto, não tem mal, até porque a outra parte do título é também de veracidade duvidosa.)
Uma palavra final de agradecimento: à Casa da Música pela encomenda; aos músicos da Orquestra pelas sugestões que deram para melhorar (ou tornar possíveis!) certas passa- gens — e em especial àqueles que participa- ram nas gravações das quais resultou parte do material usado na electrónica; à Digitópia e sobretudo ao Óscar Rodrigues pelo trabalho incansável de acompanhamento na composição, produção e mistura da electrónica; e aos meus pais e amigos mais próximos, que foram ouvindo e comentando incontáveis versões da peça ao longo do último ano. Compor não é — felizmente — uma actividade solitária, mas uma espécie de trabalho colaborativo.
Daniel Moreira, 2020 (Programa de Sala · Casa da Música)